Friday, September 05, 2014

«Errores e lugares-comuns sobre Judith Teixeira: o caso de Portugal século XX. Crónica em imagens (1920-1930)», de Joaquim Vieira


Errores e lugares-comuns sobre Judith Teixeira: o caso de Portugal século XX. Crónica em imagens (1920-1930), de Joaquim Vieira

Abundam no conjunto de textos referenciais e de literatura crítica, em boa parte da produção cinzenta e, algumas vezes até, em manuais e livros escolares, clamorosas gralhas e informações mais lesivas do que quaisquer omissões. Não indo longe, lembro a famigerada entrada da Grande enciclopédia portuguesa e brasileira sobre José Régio, dando-o nascido em 17 de setembro de 1899[1]. Ora o ano de nascimento de José Régio, como se sabe, é 1901. A clamorosa falha é gravíssima, fazendo recuar Régio de um século, lev ando durante tempo que não pode ser aferido a que muita e muita gente, fazendo profissão de fé da «lei enciclopédica», labore em erro inconscientemente.
Não são abundantes os escritos sobre Judith Teixeira, infelizmente. E, no entanto, há inúmeros reparos a fazer sobre o que se tem dito. Por exemplo, neste volume[2] sobre a década de vinte, inscrevem-se, na página 76, informações claramente erradas e até afirmações de teor discutível. Diz Joaquim Vieira:

O resultado de tudo isto[3] são «imagens femininas androgínicas, viciadas, insatisfeitas, retocadas, artificializadas, desconcertantes – brinquedos dispendiosos», que a revista Europa vê em 1925 nas casas de chá do Chiado.
Mas, para lá dos rituais da futilidade, as mulheres começam agora a participar activamente na vida intelectual e artística. Emergem nomes que se tornam conhecidos, como o da poetisa Fernanda de Castro, mulher de António Ferro, ou o da pintora Sarah Afonso, que casa com Almada Negreiros. Judith Teixeira (ou «Lena de Valois»), amiga do casal Negreiros, é o paradigma da mulher livre da época, como reflecte nos títulos de ousadas obras poéticas: Amorosa, Sinfonia pagã, Meus vícios, Decadência, Nua, poemas de Bizâncio. [4]

Não deveria o autor, no caso do primeiro parágrafo, informar que a revista Europa era dirigida por Judith Teixeira, o tal «paradigma da mulher livre da época» como Vieira dirá à frente? Não deveria ainda, face a isso, matizar o significado do excerto, que aparece com um tom crítico não compaginável com o espírito Judithiano? Parece-me que sim.
Agora vem o pior: atribuir a autoria dos três primeiros títulos elencados no segundo parágrafo é desconhecer, de todo, Judith Teixeira. E mais: é rasurar a também grande poetisa que foi Beatriz Delgado, que é, de facto, a autora das obras. Amorosa[5], Sinfonia pagã[6] e Meus vícios (Confissões)[7] não integram a obra de Judith Teixeira. A convocação da poetisa, no entanto, não deixa, pesem embora as contingências referidas, de ser mais um contributo para a inscrição da escritora no centro literário.
Sem sussurro ou clima de pétreo museu, a verdade impõe-se e não há bicos de pés que a calem.

                          Viseu, 5 de setembro de 2014
                           © martim de gouveia e sousa




[1] Cf. op. cit., volume XXIV, Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Limitada, s.d., p. 808. O erro não aparece na corrigenda final. A clamorosa falha é espantosa, uma vez que a enciclopédia é colaborada por gente grada e reputada. Tratando-se sempre de entradas não assinadas ou subscritas, o dedo acusador deve ser dirigido para esse todo abstrato que é a Enciclopédia!
[2] Joaquim Vieira, Portugal século XX. Crónica em imagens (1920-1930), Lisboa, Círculo de Leitores, 1999.
[3] O autor refere-se aqui às necessidades cosméticas das senhoras e à profusão de revistas femininas na década de vinte.
[4] Id., ibid., p. 76.
[5] Beatriz Delgado, Amorosa, Lisboa – Rio de Janeiro, Portugália Editora, s.d. [1921].  
[6] Beatriz Delgado, Sinfonia pagã, Lisboa – Rio de Janeiro, Portugália Editora, 1925. O livro conheceu, neste mesmo ano, mais duas edições.
[7] Beatriz Delgado, Meus vícios (Confissões), Lisboa, Editores: J. Rodrigues & C.ª, 1926. 

1 comment:

alexandra said...

Muito, muito bom!