Thursday, November 03, 2016

Memória de Judith Teixeira em conferência de Branca de Gonta Colaço


Memória de Judith Teixeira em conferência de Branca de Gonta Colaço

Vinda da intensidade e do desejo, a literatura de Judith Teixeira pôde ser esquecida como um excesso contra o devir. Mas não o poderia para sempre. Onde tudo é possível, a fissura erótica age e deflagra-se nas camadas mais lateralizadas do desaconchego canónico até ao centro possível – acêntrica, a textologia judithiana é um centro, um outro centro.
Em conferência que não foi descaso, de título «Nós outras, as poetisas», Branca de Gonta Colaço, no ocaso do primeiro quartel do século XX, não omitiu o nome de Judith Teixeira no vasto rol de mulheres poetas convocadas como exemplo e produção literária. Lutando contra o destino, Teixeira publicará, pouco depois, a importante conferência «De mim».

O exercício judithiano dizia então que o nós de Branca de Gonta era a semente da convenção e do artificial. Um eu, em poesia, não poderia seu um nós. E ainda não é… 

Tuesday, November 01, 2016

Libânio da Silva e Judith Teixeira



Libânio da Silva é um reputado impressor e livreiro que José-Augusto França não esquece, lembrando-o mesmo como detentor de um admirável parque gráfico no primeiro quartel do século XX português. Foi nas máquinas da Imprensa Libânio da Silva que Judith Teixeira começou por desvelar o mais íntimo do seu íntimo em rizoma. O mistério e o risco desafiavam os tempos...

Sunday, October 09, 2016

René P. Garay e Judith Teixeira


É com saudade que convoco René Garay a esta via judithiana. Conheci-o pelo início do século, não sabendo ainda que a vida lhe viria, muito em breve, a pregar uma trágica partida. Eufóricos fomos judithianos até à medula. Nestas atas, que contêm as participações no colóquio «Percursos de Eros - Representações do erotismo», está presente o importante ensaio de Garay  «Judith Teixeira - A voz sáfica do Primeiro Modernismo Português» (pp. 141-154). Ocorrido o colóquio algum tempo antes, a publicação é de 2003.

Thursday, August 11, 2016

Judith Teixeira: fotologia


Abrindo-se em luz, esta composição poética judithiana congloba sob o rigor do sol um vasto conjunto de semas criadores da isotopia da luz, do diurno. Às vezes, cada verso é mesmo uma exorbitância disso. Irrompendo, deflagrando no manto de palavras o clamor do excesso, visível também nos prefixos, este modo encontrável no universo poético da escritora, este jeito à rebours da norma lírica nacional, ambos, modo e jeito, são afirmação de diferença e originalidade. Quem mais, afinal, assim luzindo na poesia portuguesa? 

Thursday, August 04, 2016

Teografias judithianas


Em ano luminoso, astral, é importante assinalar alguns dos vezos da lírica de Judith Teixeira - esta pele sideral, por exemplo, que descortinamos no soneto "Alvorecer" é perfeita imagem de um lugar produtivo. Eufórica a natureza, como festa divina, eis que o sujeito lírico colhe, na efusão dos sentidos, o alor vivo do Criador. Marca funda, esta, como etos transbordante na poesia judithiana. 

Wednesday, August 03, 2016

A tópica do mar em Judith Teixeira


Comum como o lugar disso é o mar também uma presença no universo judithiano. Na juntura do poente, laço e nó de cópula corporal, o sujeito poético espraia-se em ritualidade aquática. Na exacerbação da pele, do sal conectivo ao fulgor do sofrimento, eis que o sangue admonitório convoca o risco e a fenda da tragédia. Afinal é de injunção que este mar é feito - de abandono e apartamento, leia-se. Di-lo a lua, seu mágico espelho. 
[viseu, 3 de agosto de 2016, na melhor espuma do dia... martim de gouveia e sousa.] 

Friday, July 29, 2016

Uma edição de "Decadência" de 2002



Em 2002, veio a lume, inserida na coleção «herança cultural», uma edição da primeira coletânea poética de Judith Teixeira. O livro saiu com chancela do Instituto Politécnico de Viseu. Tem ainda, entre as páginas 3 e 28, um prefácio de Martim de Gouveia e Sousa.

Friday, June 10, 2016

Judith Teixeira e Nita Clímaco – uma aproximação em "pentateuco"



Judith Teixeira e Nita Clímaco – uma aproximação em pentateuco
Ferindo a codificação escatológica, parece haver uma certa transcendência nalguns destinos como se na estrutura triádica do profetismo houvesse oponentes mediadores e comunidades organizadas para fins apocalípticos. Verta-se na genealogia da cultura mais filologia, mais textualidade, e conclua-se da existência de filamentos nodais, lugares transmissivos e fluxos de influência. Um elemento criativo no campo do cânone literário pode hibernar, imergir ou emergir, estabelecendo, de acordo com a ritualidade da ação, um laço mais ou menos apertado com outros elementos de semelhante linhagem. Aliás, a literatura é isto – genealogia e linhagem.
E por aí vou escrevendo o pentagrama: Judith Teixeira (1880-1959) publicou cinco livros (Decadência e Castelo de sombras, em 1923; Nua. Poemas de Bizâncio e a conferência De mim, ambos em 1926; e Satânia, em 1927), todos na mesma década; Nita Clímaco, por seu lado, publicou, durante a década de sessenta do mesmo século, os romances Falsos preconceitos (1964), Pigalle (1965), O adolescente (1966), A salto (1967) e A francesa[1] (1968). A aproximação é, visivelmente, inevitável.
Em entrevista que, infelizmente, não deveio célebre, Nita Clímaco afirma ter escrito cinco livros, todos censurados, e que isso a levou à desistência, vencida pelas proibições e enxovalhos. Ensina o tempo feiticeiro que não há Ramiros Valadões que possam calar a raiz ao pensamento. Os golpes apocalípticos serão, para uns, genesíacos. Para Clímaco e para Judith, como se tem visto, que se vão “da lei da morte libertando”.

Viseu, 10 de junho de 2016
Martim de Gouveia e Sousa



[1] De acordo com a informação da página de rosto, o volume contém dois minirromances: A francesa e Encontros. E até este caso apresenta o correlato com Satânia, que apresenta, como se sabe, duas novelas. 

Sunday, June 05, 2016

Judith, 31 de maio de 2016 – o regresso a casa?


Judith, 31 de maio de 2016 – o regresso a casa?

Jacques Derrida cria um espaço para estas pessoas assim nascidas sob a influência da herança de um nome que é judaico. Judith Teixeira portando-o, isto é, libertando ostensivamente os sinais da inscrição, entronca naquilo a que o filósofo franco-argelino designou como «situação de criança espectral e patriárquica»[1]. E, pensando bem, contando com a vida e a morte, espaços inevitáveis sem aprendizagem, eis que, no caso de Judith Teixeira, ao silêncio da primeira noite sobrevém o dia iniciático, começado, é certo, mais atrás, naquele último quartel do século XIX, preso guturalmente a uma cicatriz sociológica e geográfica de etiologia viseense. Uma marca decisiva, pois, na pele cultural de uma artista encravada ab initio, como vimos, entre a margem e a diáspora.
Em 1880, Viseu era o que era – uma cidade rural, sem mais que mostrar do que um já combalido casco histórico, bastante delapidado por poderes pouco dados à conservação ali por inícios do século e com presença assinalada de judeus desde tempos remotos, «havendo notícias da sua fixação nesta zona muito antes da invasão dos mouros em 711»[2]. Cumpre-se nesta imagem o asserto de José Mattoso que fala de um “país feito de bocados que nada consegue unir”[3].
Sobrevindo, Judith Teixeira ganha as luzes do palco cultural português e a década de vinte desse século XX só o poderia replicar no porvir. Mas não, que a conveniência não deixava. Atribui-se-lhe, pois, um lugar qualquer ou um não-lugar, seguindo-se a espetralidade derridaniana.  Um escritor sem lugar há-de ser um bom lugar literário, nomeadamente quando o presente arrasta consigo um bom número sem existência colado ao êxito e à sagração pública. Passada a usura, quantos animadores da coisa literária nossa coeva resistirão contra o tempo, como acontece com Judith Teixeira, deslembrada e fulgurante mulher-poeta do século XX português, rompendo pelo presente século como se não houvesse morte?
Sem hesitações, é Judith Teixeira a única mulher no modernismo português e um caso de safismo literário que a torna expoente de uma deriva original que é uma face autêntica de modernidade artística e de coragem expressional.
Pego, quase ao acaso, n’ A Capital de 3 de Março de 1923 e leio, entre suicídios e greves de fome, nas notícias de última hora, sob o título “Literatura imoral”: «À polícia foi dada ordem para serem apreendidas as edições de mais livros tidos como literatura imoral.”» A sanha persecutória relativamente a obras literárias, que não era súbita, caracteriza o estertor da 1ª República e aparece concretizada na mesma coluna do jornal do dia 5 de Março, debaixo da intitulação “Apreensão de livros”: «Em conformidade com instruções superiores foram apreendidos pela polícia os livros intitulados: Sodoma Divinizada, Canções e Decadência.» As obras de Raul Leal e de António Botto vieram a ser defendidas por Fernando Pessoa, que revelou a sua misoginia ao omitir o nome da poetisa. Ao contrário, um António de Monsanto, que, no mesmo diário, em asserto judicativo, considera a obra judithiana elevada, emotiva e delicada, estranhando a campanha vexatória contra a edição  “notável de elegância” e de “sumptuosa combinação estética”.
Judith Teixeira nasceu, em Viseu, no dia 25 de Janeiro de 1880, pelas 9 horas da manhã, na Viela de S. Francisco. De acordo com depoimento seu, os primeiros tentames poéticos terão acontecido antes do último lustro do século XIX, conhecendo-se, bem mais tarde, entre 1918 e 1919, incursões da autora pelo conto, sob o pseudónimo de Lena de Valois.
Mas falar de Judith Teixeira é entrar na agitada década de 20 e presenciar «as orgias de morfina» e «as horas sensuais, / as horas delirantes», dos poemas “Fim” e “O meu chinês”, publicadas por José Pacheco, na sua Contemporânea, por 1922; o escândalo de Decadência (1923), com uma rede voluptuosa de sinais explícitos, como acontece no poema “A estátua”, onde uns «seios de bicos acerados» são a singular razão dos cuidados, ou no poema “Perfis decadentes”, onde «Os corpos subtilizados, / femininos» se enlaçam, mordendo-se as «bocas abrasadas, / em contorções de fúria, ensanguentadas!».
Conhecer Judith Teixeira é ainda lembrar o equilíbrio cinéreo de Castelo de Sombras (1923); a coragem manifestada em Nua. Poemas de Bisâncio (1926), ao dedicar a obra aos “braços delgados, e brancos, e nus” da sua Quimera; a força assertiva da conferência De Mim (1926); ou a toada estranhizante das novelas Satânia (1927).
Para além de poeta, ficcionista, ensaísta e conferencista, Judith Teixeira foi também tradutora e cronista, tendo ainda dirigido a revista Europa, de que saíram três números, em 1925.
O último poema de Decadência, que tem o título “Última frase”, assume um tom admonitório:
Minha alma ergueu-se para além de ti…
Tive a ânsia de mais alto
- abri as asas, parti!

Outubro
1922

Era a partida para uma viagem que vai encontrando um fim. Fim, aliás, que é hoje um evidente regresso a casa, no sentido de Rilke, um voltar à condição que deverá ser início do muito por fazer – a atribuição de uma rua, por exemplo, cumulada, também por exemplo, com homenagem estatuária, seria pedir muito?
Com Rilke acabo. E lembro, no passo, que acabar é sempre um novo início:
A minha luta é esta:
sagrado de saudade
divagar pelos dias.
Depois, largo e forte,
Com mil raízes fundo
mergulhar vida dentro –
e, amadurecido em dor,
ir longe pra além da vida,
longe, pra além do tempo![4]


Viseu, 31 de maio de 2016
Martim de Gouveia e Sousa



[1] Jacques Derrida, Mal d’ archive, Paris, Galilée, 1995.
[2] Lúcia Alexandra Ferreira, «Viseu.», in Lúcia Liba Mucznik, José Alberto Rodrigues da Silva Tavim, Esther Mucznik e Elvira de Azevedo Mea, Dicionário do judaísmo português, Lisboa, Editorial Presença, 2009, p. 544. Não parece correta, na mesma entrada, a informação de que a judiaria viseense se situaria na Rua Direita.
[3] José Mattoso, Portugal – O sabor da terra, Lisboa, Círculo de Leitores, 200 , p. .
[4] Rainer Maria Rilke, Poemas. As elegias de Duíno. Sonetos a Orfeu, Porto, Edições Asa, 2001, p. 29.

---
Esta é a minha intervenção lida no dia, não estando presentes as tergiversações, iluminações e improvisos. É, no entanto, uma boa base.

Judith Teixeira no «Jornal do Centro» (13 de maio de 2016)




Veja-se AQUI.

Tuesday, March 01, 2016

A exclusão de Judith Teixeira num dicionário dito no feminino


Publicado em 2005, o Dicionário no feminino (séculos XIX-XX), dirigido por Zília Osório de Castro e João Esteves, com coordenação de António Ferreira de Sousa, Ilda Soares de Abreu e Maria Emília Stone, sob chancela dos Livros Horizonte, não pode deixar de ser considerado um bom instrumento de trabalho e um importante recurso para investigadores e curiosos da coisa cultural. Estranho, no entanto, a clamorosa exclusão ou omissão de Judith Teixeira nesta chave do feminino dos séculos XIX e XX. Lidos os critérios e a certeza da incompletude desde logo assumida, não se esbate, no entanto, a deceção. É sempre difícil numa obra deste tipo conseguir a exaustão. Mas Judith Teixeira, por exemplo, não é um nome qualquer, avançando eu que só o desconhecimento da sua ação a pôde afastar, uma vez mais, da consolidação canónica. E quanto a omissões leia-se aqui, v.g. 
O que digo hoje pensei-o na altura, quando há pouco mais de dez anos adquiri o instrumento. A imagem, por comodidade de tempo, foi retirada do site da Wook.