Que o corpo vos seja limpo, caros leitores. E que a centelha de fogo, que brilha sobre o céu da cidade, ilumine as mentes vãs, esvaziadas, sabe-se, do respeito pelo outro que se assume. Eu não quero nada mais suave. Antes desejo o tempo da limpidez mental, dieta impoluta adscrita por ventos de Harvard e pela filosofia pragmática que decorre da vida quotidiana.
Este é o meu corpo exposto na inscrição do texto. Aquele amigo, que outro amigo ama ou deseja, é também amigo meu na diferença igual que não vejo. Que me importa a diferença que cada dia se renova, se eu sou eu e o outro é o outro no respeito que somos. Cruzo a vida sem fobia com a amiga que abraço porque assim sou. E se não, por que não os mesmos amigos e amigas, sem tique ou etiqueta?
Marcho contra a hipocrisia e a fobia que fielmente crêem no caminho solitário do “bom amante”, como se o corpo fosse dominável pelos fungos das gavetas apodrecidas! Nada pode ninguém, se o corpo se levanta e escolhe o caminho.
Um fulgurante António Sérgio, em ensaio parisiense datado de 1928, reconhece que o amor “é mais forte do que nós supomos”, devendo sentir-se “sob a forma luminosa da inteligência, ao calor fulgente da compreensão.” Eis, pois, um preceito que não deve ser esquecido, nomeadamente por aqueles em exercício cultural de investidura pública. Fora do espaço isegórico da “solidariedade vivida” (Urbano Tavares Rodrigues), já só resta um negro terreiro de impreparação e de incompetência…
A perfídia de quaisquer actos censórios desinscreve e deseduca. Inscreve e educa quem vai lembrando, como uma lição contínua, o elegante “Preface” de Oscar Wilde a “The Picture of Dorian Gray” de que extraio o excerto que cito: “Those who find ugly meanings in beautiful things are corrupt without being charming. This is a fault.”
A cruzada moralista lisbonense que inundou a década de 20 do século passado lançou para o fogo inquisitorial autores como António Botto, Judith Teixeira ou Raul Leal, apodados, em conjunto, de autores de “literatura dissolvente”. Em defesa da liberdade criativa insurgiu-se, por exemplo, um Fernando Pessoa, que litigou brilhantemente com o persistente Álvaro Maia, assanhado polemista e guardião da “boa moral”.
Arte do seu tempo contra a tradição do passado são, por exemplo, “O Banhista” de Cézanne (c. 1885), a impressão em gelatina e sais de prata das fotografias que captam virtualmente o movimento do corpo de Marey (?, c. 1890-1900), “A Semente de Areoi” (1892) de Gauguin, a “Madonna” (1895-1902) de Munch, a “Rapariga com Cabelo Negro” (1911) de Schiele, “Fränzi Reclinada” (1910) de Heckel, “Banhistas que atiram Juncos” (1909-1910) de Kirchner, “A Dança” (1909) de Matisse, “O Assassino em Perigo” (1926) de Magritte, “Nu na Casa de Banho” (1932) de Bonnard, “Pin-up” (1961) de Hamilton ou “Romance Familiar” (1993) de Charles Ray. E, no entanto, é evidente que a fulgurância destas obras dimana da nudez do corpo de homens e de mulheres e não é lícito encarar-se a sua dilucidação com o cadinho da suavidade. Nem penso que alguém responsável o tenha feito.
Em cada cidade há sempre um Álvaro Maia à espreita. Com estrondo, as primeiras palavras já dizem tudo. Em Viseu, se a pergunta era mais do que retórica, afirmo que as pessoas reagem com indignação a actos censórios e diminuidores das liberdades artísticas. Um museu, até etimologicamente, deve ser um lugar interactivo de multímodas artes. De liberdade, de direito à palavra, de direito à diferença.
Assim não sendo, há um caminho que quem com poder deve traçar. Passam quase cem anos sobre a vergonha da perseguição à chamada “literatura de Sodoma”. Nesse abismo persecutório, uma mulher de Viseu, a poetisa Judith Teixeira, sofreu digna e superiormente os golpes da intolerância.
Não faltando a coragem, corte-se o mal e a raiz. Espero, entretanto, não pensar por muito mais tempo naquele poema de uma mulher afegã, que Sayd Bahodine Majrouh resgatou do silêncio, e que aplico à circunstância: “Tenho na mão uma flor que murcha / Não sei a quem a dar nesta terra estrangeira”.
Este é o meu corpo exposto na inscrição do texto. Aquele amigo, que outro amigo ama ou deseja, é também amigo meu na diferença igual que não vejo. Que me importa a diferença que cada dia se renova, se eu sou eu e o outro é o outro no respeito que somos. Cruzo a vida sem fobia com a amiga que abraço porque assim sou. E se não, por que não os mesmos amigos e amigas, sem tique ou etiqueta?
Marcho contra a hipocrisia e a fobia que fielmente crêem no caminho solitário do “bom amante”, como se o corpo fosse dominável pelos fungos das gavetas apodrecidas! Nada pode ninguém, se o corpo se levanta e escolhe o caminho.
Um fulgurante António Sérgio, em ensaio parisiense datado de 1928, reconhece que o amor “é mais forte do que nós supomos”, devendo sentir-se “sob a forma luminosa da inteligência, ao calor fulgente da compreensão.” Eis, pois, um preceito que não deve ser esquecido, nomeadamente por aqueles em exercício cultural de investidura pública. Fora do espaço isegórico da “solidariedade vivida” (Urbano Tavares Rodrigues), já só resta um negro terreiro de impreparação e de incompetência…
A perfídia de quaisquer actos censórios desinscreve e deseduca. Inscreve e educa quem vai lembrando, como uma lição contínua, o elegante “Preface” de Oscar Wilde a “The Picture of Dorian Gray” de que extraio o excerto que cito: “Those who find ugly meanings in beautiful things are corrupt without being charming. This is a fault.”
A cruzada moralista lisbonense que inundou a década de 20 do século passado lançou para o fogo inquisitorial autores como António Botto, Judith Teixeira ou Raul Leal, apodados, em conjunto, de autores de “literatura dissolvente”. Em defesa da liberdade criativa insurgiu-se, por exemplo, um Fernando Pessoa, que litigou brilhantemente com o persistente Álvaro Maia, assanhado polemista e guardião da “boa moral”.
Arte do seu tempo contra a tradição do passado são, por exemplo, “O Banhista” de Cézanne (c. 1885), a impressão em gelatina e sais de prata das fotografias que captam virtualmente o movimento do corpo de Marey (?, c. 1890-1900), “A Semente de Areoi” (1892) de Gauguin, a “Madonna” (1895-1902) de Munch, a “Rapariga com Cabelo Negro” (1911) de Schiele, “Fränzi Reclinada” (1910) de Heckel, “Banhistas que atiram Juncos” (1909-1910) de Kirchner, “A Dança” (1909) de Matisse, “O Assassino em Perigo” (1926) de Magritte, “Nu na Casa de Banho” (1932) de Bonnard, “Pin-up” (1961) de Hamilton ou “Romance Familiar” (1993) de Charles Ray. E, no entanto, é evidente que a fulgurância destas obras dimana da nudez do corpo de homens e de mulheres e não é lícito encarar-se a sua dilucidação com o cadinho da suavidade. Nem penso que alguém responsável o tenha feito.
Em cada cidade há sempre um Álvaro Maia à espreita. Com estrondo, as primeiras palavras já dizem tudo. Em Viseu, se a pergunta era mais do que retórica, afirmo que as pessoas reagem com indignação a actos censórios e diminuidores das liberdades artísticas. Um museu, até etimologicamente, deve ser um lugar interactivo de multímodas artes. De liberdade, de direito à palavra, de direito à diferença.
Assim não sendo, há um caminho que quem com poder deve traçar. Passam quase cem anos sobre a vergonha da perseguição à chamada “literatura de Sodoma”. Nesse abismo persecutório, uma mulher de Viseu, a poetisa Judith Teixeira, sofreu digna e superiormente os golpes da intolerância.
Não faltando a coragem, corte-se o mal e a raiz. Espero, entretanto, não pensar por muito mais tempo naquele poema de uma mulher afegã, que Sayd Bahodine Majrouh resgatou do silêncio, e que aplico à circunstância: “Tenho na mão uma flor que murcha / Não sei a quem a dar nesta terra estrangeira”.
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