
De acordo com os ritos sazonais e com o Zeitgeist de então – a década de vinte é uma época literariamente multímoda e contraditória -, Judith Teixeira mergulha no espírito do povo, derrogando pela acção a notas meramente decadentista ou modernistas, e responde à provocação de Félix Correia, oferecendo às leitoras da revista ABC , em véspera de festejos de S. João, a quadra "para os cravos de papel dos seus manjericos" que a seguir se transcreve:
Na noite de S. João,
Ao som de alegres cantigas,
Anda o luar pelas fontes
A beijar as raparigas.
Esta adesão, ainda que pontual, a uma modalidade literária de ressaibos populares e românticos, fora, portanto, dos habituais requintamento, individualismo, sumptuarismo e esteticismo, assinala uma evasão onírica e espacial, dentro do espírito fantástico da libação dissipatória e orgiástica ("Anda o luar pelas fontes / A beijar as raparigas.") e da inserção numa certa recuperação medievalista, se se pensar no peso literário da palavra 'fonte' e na simplicidade evocativa das composições dos cancioneiros medievais. Ao mesmo tempo, pese embora tratar-se de um pequeno texto, resulta evidente a carga erótica que a quadra transporta - o que é, como se tem dito, uma permanência na criação judithiana e uma abertura consentida para a dominante etapa melancólica -, assim se construindo, nessa concisão, uma literatura armadilhada pelo fogo de Eros: o quadro inscreve-se no euforismo nocturno do festejo sanjoanino e na moldura musical da alegria libatória, circunstância propícia à convocação do objecto erótico "raparigas" - das palavras mais belas, diria o insuspeito Eugénio de Andrade - e na sugestão da sujeição amorosa transportada pelos saborosos e evocativos vocábulos "fontes", de tão entranhada simbologia medieval, e "luar", simbolizando este o princípio feminino e a renovação, abrindo-se assim várias possibilidades interpretativas, nomeadamente as de incidência sáfica.
Esta quadra judithiana, no rasto da simbologia de encontro amoroso que a palavra "fonte" assume na literatura medieval, é também um encontro com a festa e com a diferença - um passo necessário que não teme a nova experiência estética, que não teme a modernidade.
2 comments:
de como a modernidade se tinge de um fulgor...assim romântico....
um texto que lê lenta e gulosamente.
beijo. Martim.
:
o luar de judith beija-nos a todos.
abraço
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