Terras de Portugal (Grande Revista Ilustrada) é uma publicação periódica dirigida por Gomes Barbosa e editada por Álvaro de Andrade entre os anos de 1925 e 1935, num total de 52 números. Apresentando valiosa colaboração literária, o magazine lisboeta, que manifesta evidente interacção com a judithiana Europa, é uma importante exemplificação da irradiante "literatura feminina" - designação a ser revista, pois ninguém fala de "literatura masculina"... - invasora da década de vinte, que é uma época curiosa, fulgurante, efémera e intervalar, com as suas múltiplas digladiações periodológicas e os encantos defluentes de uma geração poética que sucedia à proclamação da mensagem renovadora de Orpheu .
A revista nº 14 de 1828, na coluna agora descomplexada "Poetas de Portugal", contém os poemas "Natal" de Beatriz Delgado, "Soneto" de Branca de Gonta Colaço, "Sombra e Clarão" de Eugénio de Castro e "O Poemeto das Sombras" de Judith Teixeira.
Bem dentro dos estilemas judithianos, este poemeto, subsumindo-se na escassez física titular de pequeno poema, inscreve-se desde logo no tom cinéreo do dionisíaco. Acumulando notas para um cenário agreste e ominoso - a ventania ruge, as árvores desfolhadas gemem, o sino estridula à meia-noite...-, a comparação, como elemento estilístico-retórico predominante nas duas primeiras estrofes, instaura os pares 'arvores gemendo como almas na agonia' e 'a voz do sino como uma boca cavernosa’ que fornecem ao poema uma tonalidade angustiante.
A terceira estrofe segue e adensa o tom sufocante de sofrimento, particularizando o crescendo emocional pela liberdade sintáctica e pela diminuição métrica. De facto, esta sétima voraz sucede a duas estrofes, uma quadra e uma quintilha, nas quais, ao gosto decadentista, o adjectivo sugestivo e pleno de emoção reganhava o centro através de um ritmo predominantemente binário, deixando transparecer na criação ambiencial uma força próxima e correlata das artes plásticas. Ser conflituante por natureza, o sujeito poético decadentista, qual herói perfeito, sofre com a insuficiência dos outros e compraz-se no seu isolamento social que mais e melhor vê. Afinal, "Ha lares em festa - / e fóme pelos caminhos / da desgraça.". Esta ironia trágica expressa uma presença mais vincada do eu poético através daquele "minha amargura", que indica, neste contexto, uma emotividade lírica rente ao pensar-sentir do emissor poemático.
De seguida, a quarta estância inicia-se com a imprecação "Meu Deus!", abrindo-se por aí o debate sobre a construção divina que o sujeito lírico entrevê. Transcendente ao homem e ao mundo, Deus irrompe do poema de Judith Teixeira como o ipsum esse subsistens, de acordo com a tradição metafísica do imanentismo. Nomeando-O sem que tal obstrua a Sua transcendentalidade, o acto imprecativo poemático é uma súplica ao divino que afirma a impotência humana para dar solução a problemas cruciantes a que um Deus absconditus assiste impávido. Interrogando duas vezes, numa prece súplice, as perplexidades formuladas não consentem respostas, assim permanecendo na sua pureza etiológica.
Mas mais diz este passo do poema. Por exemplo, que se trata de uma criação inserível no âmbito das temáticas do religioso, como o comprovam, mais uma vez, os dois versos finais dessa quintilha: "Por que é que nesta noite em que nasceu Jesus / o Ceu, não se sorri, cheio de luz?". José Régio e Alberto de Serpa afirmam, sem que tal directamente se relacionasse com Judith Teixeira, que quase "todos os melhores poetas portugueses se voltaram, uma que outra vez, para Deus". Assim aconteceu com a poetisa viseense, que, percorrendo os caminhos do Divino e do mistério do Natal na composição em análise, cumpriu ainda o religiosismo poético de convocar para o seu mundo as figuras de Nossa Senhora, de Santa Maria Madalena ou os passos da Paixão de Jesus Cristo. Nenhuma antologia religiosa de poesia portuguesa, que eu conheça, soube integrar em si algum exemplar judithiano, o que, podendo não ser abonatório para a autora, mostra também a actualidade do preceito de Ruy Belo de haver "tanta gente esquecida, tanto trabalho ignorado..." à espera de uma mais sábia recolocação.
A quadra subsequente adensa o dolorismo invasor com a notação do entediamento subjectivista do sujeito lírico ("Exalo-me em tédio!"), desenvolvendo a estrofe seguinte, a última, a toada decadentista persistente, seja na presença daquele "mundo de engano" fornecido pelo envolvimento do corpo num tecido luxuoso ("Sobre a sêda vermelha que me envolve"), seja no carácter nocturno e espectral do fechamento poemático ("e lá fóra batalham peito a peito, / revolvendo as trevas ululando, / longos fantasmas / de negras silhuetas!"). E não será despicienda para a compreensão da "forja" judithiana a presença opositiva e criativa da intensidade interior, sugerida pelo vermelho da seda, a par da passividade do tédio, inscrita pelas tonalidades violetas da luz e pelo cinerário das trevas. No fundo, a obra de Judith Teixeira manifesta continuadamente essa tensão, que, vistas bem as coisas, é constitutiva de uma idiossincrasia poética singular.
A revista nº 26 de 1930 (Ano VI), na senda feminina assinalada, publica textos de Teresa Leitão de Barros, Júlia Lopes de Almeida, Virgínia Victorino, Laura Chaves, Oliva Guerra, Emília de Sousa Costa, Maria Amélia Teixeira, Maria Assunção da Silva Miriam, Rosa Silvestre... mas mais nada se diz da silenciosa Judith Teixeira.
3 comments:
pois bem martim
:
silenciosa porque esquecida
mas aqui ruge na sua forma primeira
judith rasga ousada os folhos da morte
que lhe votaram,
agora ensurdecedora
abraço amigo
nunca ninguém assim____________!
obrigada Martim....
vai tocar no Piano.
enorme abraço.
Bom dia
Sabe aonde posso encontrar outras edições desta revista?
Obrigado
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