Sunday, August 24, 2014

O sonetista Jayme Azancot e Judith Teixeira


O sonetista Jayme Azancot e Judith Teixeira

Quando a magnífica tábua biobibliográfica sobre Judith Teixeira plasmada na não pouco esbelta edição dos Poemas[1] judithianos, sob o nome «Scriptorium» e da responsabilidade de Maria Jorge e Luís Manuel Gaspar, adianta que no dia 8 de março de 1913 é «dissolvido o casamento de Judith com Jaime Levy Azancot, empregado comercial»[2]. Uma atinência estética entre o casal é aí omitida, certamente por falta de informação – é que este Jayme Azancot viria a colaborar, num encontro de vidas já desencontradas, na celebérrima revista Contemporanea, «feita expressamente para gente civilizada» e «feita expressamente para civilizar gente». Tal acontece no seu nº 8, já depois de dois contributos de Judith Teixeira no ano anterior, por 1922, quando por lá fez publicar o sonetilho «Fim»[3], escrito em setembro de 1921, e o poema «O meu chinez»[4].
É precisamente em posição final na revista nº 8 que aparecem, em duas páginas consecutivas, os sonetos «Bucólica»[5] e «Solidão»[6] de Jayme Azancot, que transcrevo:

                                                                  BUCÓLICA

Montanhas e valados do Senhor
Aonde nascem peregrinas flôres
E aonde se debuxam várias côres
Num concerto de luz fascinador;

Em vós tecem enredos mil de amôr
Os poetas ingénuos e os pastores
Que em suas alegrias suas dôres
Hão-de sempre a beleza eterna pôr!

Almas ingénuas, melodiosamente
Elevam maravilhas amorosas
Nas palavras que formam seus cantares.

E todo o artista que ali esteja sente
Que os canticos de amor são como rosas
Eternamente perfumando os ares.


                       SOLIDÃO

Este planalto misterioso leva
A terras idiais e nunca vistas,
Aonde as sensações mais imprevistas
Desaparecem num céu que gela e neva.

Em torno dêle uma profunda tréva
Derrama e esbate a sombra das conquistas,
E pelo céu de opalas e ametistas
O sol rubro e pagão nunca se eleva.

Que terra é esta gélida e tão nua,
Em que um bruxo desenha alegorias
Aonde canta um desespero vão?

E a tal pergunta só responde a lua,
Muito ao longe, lançando pratas frias
Pela terra sem fim da Solidão!


Cinérea também, a poesia de Judith Teixeira escrevia-se no soneto «Cinzas» e nas sombras de outra forma poética fixa de título «O palhaço». Entre janeiro e março de 1923 a solidão poética dos poemas de Azancot não o faziam chegar à casa da poesia. Um dia perto e já longe, Judith cavalgava ardentemente os castelos tristes e derruídos do silêncio por chegar. E isso era uma poesia outra, em que o fel é boca e o silêncio canto.

Viseu, 24 de agosto de 2014
©Martim de Gouveia e Sousa



[1] Judith Teixeira, Poemas. Decadência, Castelo de sombras e Nua. Conferência De Mim, Lisboa, &etc, 1996.
[2] Loc. cit., p. 228.
[3] Contemporanea, nº 2, junho de 1922, p. 29.
[4] Contemporanea, nº 6, dezembro de 1922, p. 44.
[5] Contemporanea, nº 8, fevereiro de 1923, p. 111. Conservou-se a grafia epocal.
[6] Contemporanea, nº 8, fevereiro de 1923, p. 112. Conservou-se a grafia epocal.

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