O sonetista Jayme Azancot e Judith Teixeira
Quando a magnífica tábua biobibliográfica sobre
Judith Teixeira plasmada na não pouco esbelta edição dos Poemas[1]
judithianos, sob o nome «Scriptorium» e da responsabilidade de Maria Jorge e
Luís Manuel Gaspar, adianta que no dia 8 de março de 1913 é «dissolvido o
casamento de Judith com Jaime Levy Azancot, empregado comercial»[2].
Uma atinência estética entre o casal é aí omitida, certamente por falta de
informação – é que este Jayme Azancot viria a colaborar, num encontro de vidas
já desencontradas, na celebérrima revista Contemporanea,
«feita expressamente para gente civilizada» e «feita expressamente para
civilizar gente». Tal acontece no seu nº 8, já depois de dois contributos de
Judith Teixeira no ano anterior, por 1922, quando por lá fez publicar o
sonetilho «Fim»[3], escrito
em setembro de 1921, e o poema «O meu chinez»[4].
É precisamente em posição final na revista nº 8 que
aparecem, em duas páginas consecutivas, os sonetos «Bucólica»[5]
e «Solidão»[6] de Jayme
Azancot, que transcrevo:
BUCÓLICA
Montanhas
e valados do Senhor
Aonde
nascem peregrinas flôres
E
aonde se debuxam várias côres
Num
concerto de luz fascinador;
Em
vós tecem enredos mil de amôr
Os
poetas ingénuos e os pastores
Que
em suas alegrias suas dôres
Hão-de
sempre a beleza eterna pôr!
Almas
ingénuas, melodiosamente
Elevam
maravilhas amorosas
Nas
palavras que formam seus cantares.
E
todo o artista que ali esteja sente
Que
os canticos de amor são como rosas
Eternamente
perfumando os ares.
SOLIDÃO
Este
planalto misterioso leva
A
terras idiais e nunca vistas,
Aonde
as sensações mais imprevistas
Desaparecem
num céu que gela e neva.
Em
torno dêle uma profunda tréva
Derrama
e esbate a sombra das conquistas,
E
pelo céu de opalas e ametistas
O
sol rubro e pagão nunca se eleva.
Que
terra é esta gélida e tão nua,
Em
que um bruxo desenha alegorias
Aonde
canta um desespero vão?
E
a tal pergunta só responde a lua,
Muito
ao longe, lançando pratas frias
Pela
terra sem fim da Solidão!
Cinérea também, a poesia de Judith Teixeira
escrevia-se no soneto «Cinzas» e nas sombras de outra forma poética fixa de
título «O palhaço». Entre janeiro e março de 1923 a solidão poética dos poemas
de Azancot não o faziam chegar à casa da poesia. Um dia perto e já longe,
Judith cavalgava ardentemente os castelos tristes e derruídos do silêncio por
chegar. E isso era uma poesia outra, em que o fel é boca e o silêncio canto.
Viseu, 24 de agosto de 2014
©Martim de Gouveia e Sousa
[1] Judith
Teixeira, Poemas. Decadência, Castelo de sombras e Nua. Conferência
De Mim, Lisboa, &etc, 1996.
[2] Loc. cit., p. 228.
[3] Contemporanea, nº 2, junho de 1922, p.
29.
[4] Contemporanea, nº 6, dezembro de 1922,
p. 44.
[5] Contemporanea, nº 8, fevereiro de 1923,
p. 111. Conservou-se a grafia epocal.
[6] Contemporanea, nº 8, fevereiro de 1923,
p. 112. Conservou-se a grafia epocal.
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