Álvaro Virgílio de Franco Teixeira e Judith Teixeira
Depois de ter estado
casada com Jaime Levy Azancot (*27.03.1876), filho de António Azancot (*1830),
nascido em Tânger, e de Meriam Levy Benuyli (*24.06.1843), nascida em
Gibraltar, ambos os pais de famílias de raiz hebraica, Judith Teixeira veio a
casar no Luso, com Álvaro Virgílio de Franco Teixeira (Lisboa, São José,
13.01.1888), filho de Luís Virgílio Teixeira[1] e
Zulmira d’ Almeida Franco Teixeira[2].
Ao invés de um troço
assertivo de pelo menos duas décadas, quis o tempo que Judith Teixeira
escrevesse o capítulo da chegada ao ponto «em que já não se diz eu»[3].
Deixemos por agora o fulgor e a recaída de um belo trajeto artístico, olhando
para o desenho vital do homem e marido que veio a contribuir definitivamente
para o emblema significativo da marca poética nominal – afinal, Judith é
Teixeira porque casou com Álvaro Virgílio de Franco Teixeira, parecendo, sem
ironia, que o primeiro elemento denominativo, de origem judaica, encaixava
integralmente com o primeiro casamento havido com Jaime Levy Azancot.
Ora, o passado de
Álvaro Teixeira desvela-se, por exemplo, na obra de Diamantino Calisto
intitulada Costumes académicos de antanho
(1898/1950), quando se contam alguns interessantes e divertidos episódios
dos estudantes coimbrãos de início do século XX. Aprecie-se o quadro:
As
partidas feitas e organizadas pelo Trindade Coelho[4],
alma de eleição, poeta primoroso e espírito cintilante, aos companheiros de
casa, marcavam pela graça e por serem inofensivas.
Contarei
algumas:
O
«caloiro» Álvaro Virgílio Teixeira, belíssimo rapaz, esperto, mas ainda muito
inocente, dispunha de dinheiro, tendo crédito aberto na importante casa
comercial Gaito & Canas[5].
Era
neto do «saudoso», no dizer dos Mestres, Visconde de Seabra[6].
Apesar
de ser bom estudante, lembrou-se um dia de dar umas faltas justificadas, por doença.
Pediu
ao Trindade Coelho para ir chamar o Dr. Daniel de Matos[7], a
fim de este lhe passar o respectivo atestado.
De
que se há-de lembrar o Trindade Coelho?
Não
chamar o Dr. Daniel e pregar um tremendo susto ao «caloiro».
Se
bem o pensou… bem o fez.
Disse
ao «caloiro» que o Reitor da Universidade, tendo-lhe chegado ao conhecimento de
que ele não se encontrava doente de facto, tinha tomado todas as providências
para que o Dr. Daniel não acorresse à chamada, e para que «dois Lentes» de
Medicina o fossem examinar, enviando à Reitoria o respectivo relatório.
À
tarde apareciam os «tais Lentes», Chico Pedro e Matos Chaves[8],
alunos de Medicina, vestidos à futrica, os quais depois de um exame
«circunstanciado» ao «caloiro», terminaram por declarar que ele estava… de
perfeita saúde.
O
«caloiro» bem se queixou de todas as doenças, mas os «Lentes», imperturbáveis,
saíram, tendo cobrado, cada um, 2.500 réis.
Aflito,
o «caloiro», pede então ao seu «algoz» para mandar um telegrama ao pai, a fim
dele vir imediatamente.
Forjou-se
um telegrama tão extenso, que importou em 2.455 réis!
Esse
telegrama, escrito em papel aparte do respectivo impresso, foi substituído por
outro enviado a um amigo do Trindade, no qual se pedia para ele mandar um
telegrama em nome do pai do «caloiro», dizendo que a Universidade o proibia de
entrar em Coimbra.
Este
telegrama, também escrito em papel aparte e colado no impresso, foi devolvido
com a declaração de que não podia seguir nos termos do artigo… do Regulamento
dos Telégrafos.
Substituindo
então este pelo primeiro, foi dito e «provado» ao «caloiro», que o seu
telegrama não podia seguir por ordem da Universidade!
A
aflição do «caloiro» era cada vez maior, considerando-se já com o ano perdido.
O Trindade Coelho alvitrou então ao «caloiro» a necessidade, talvez salvatória,
de alguém, amigo ou parente do Dr. Calisto, pedir a este toda a sua
benevolência para o caso e lembrou-lhe, para isso, o sobrinho.
Posto
ao corrente do que se estava passando pelo Trindade Coelho, este disse-me para
ir ao quarto do «caloiro», que me pediu, quase de mãos postas, para o salvar.
Prometi-lhe
que iria empregar todo o meu «valimento» junto daquele meu parente, mas que não
podia garantir o êxito da minha démarche
em vista do caso se me apresentar muito complicado.
À
tarde, disse-lhe que tinha feito o pedido e que tinha sido atendido.
No
dia seguinte reapareceram os mesmos «Lentes» que «achando-o já doente»,
disseram ir comunicar o facto à Reitoria.
Ao
retirar-se, cobraram mais 2.500 réis, cada um, deixando-lhe o peito pintado com
tintura de iodo.
O
Dr. Daniel de Matos achou graça à partida e lá foi salvar o rapazinho
passando-lhe o atestado.
Ao
jantar, depois de se verificar que havia em cofre 12.455 réis, propuz que, em
sinal de regosijo por ele não ter perdido o ano, se oferecesse uma ceia ao
«caloiro».
O
«caloiro», comovido, protestou energicamente, pois era a ele que «cumpria
pagar».
Chegou-se
contudo a este acordo: se a despesa com ceia fosse superior áquela importância,
única que possuíamos, o «caloiro» entraria com o que faltasse.
Era
uma hora da noite, quando eu e o «caloiro» nos dirigimos para o «João Magrinho»[9],
onde já se encontravam os restantes convidados, entre os quais os «Lentes» que
acompanharam à guitarra e à viola as cantadeiras
do fado.
O
«caloiro», só então, viu tudo…
Mas
já era tarde.[10]
Álvaro Virgílio de Franco Teixeira casou
com Judith Teixeira no dia 22 de abril de 1914. Como o diz o registo de
casamento[11],
o consórcio ocorreu em casa do noivo, no Bussaco e das testemunhas presentes ao
ato nenhuma quis ser considerada padrinho ou madrinha. Estiveram presentes:
Albertina Pereira de Matos, doméstica; Sara Serra Lopes de Moraes, doméstica;
Ilídio Pereira de Matos, comerciante; e Alexandre Lopes de Moraes, comerciante.
É esta a sina de Judith Teixeira – uma
adstringência ao banimento, uma pulverização de tudo, uma desconsideração. E,
no entanto, todos os exílios nada podem contra o verso rútilo em que vive.
[1] Natural
da freguesia de Santa Justa, em Lisboa, com a profissão de proprietário.
[2] Natural
do Rio de Janeiro, Brasil, e doméstica de profissão.
[3] Gilles Deleuze
e Feliz Guattari, Rizoma, Lisboa,
Assírio & Alvim, 2006, p. 7.
[4]
Trata-se de Henrique Trindade Coelho (1885-1934), primeiramente poeta, e depois
político, jornalista e diplomata. Não deve ser confundido com José Francisco
Trindade Coelho (1861-1908), notável contista, didata, pedagogo e jurista, de
quem era filho. Notas minhas.
[5]
Lemos, por exemplo, na Gazeta de Coimbra
de 18 de setembro de 1920, nº 1057, que a firma Gaito & Canas esteve
estabelecida, em Coimbra, na rua (calçada) do Cego. Já o anterior 5 de Outubro de outubro de 1913 informa
que a empresa coimbrã se chamava «Mercearia Lusitana», com especialidade em
géneros de mercearia, materiais para construção, compra e venda de papéis de
crédito, bem como seguros contra fogo. A antiguidade da casa é dada pelo
telefone nº 8. Notas minhas.
[6]
De facto, António Luís de Seabra e Sousa (1798-1895) veio a casar, depois do
primeiro esponsal havido com a prima co-irmã Doroteia Honorata Ferreira de
Seabra da Mota e Silva, com Ana de Jesus Teixeira, avó de Álvaro Virgílio de
Franco Teixeira. Ana de Jesus Teixeira casava-se também pela segunda vez e fora
casada com Manuel Joaquim Teixeira. Notas minhas.
[7] Daniel
de Matos (1850-1921) é um reconhecido médico e professor universitário.
[8]
Certamente, o futuro doutor Alfredo Matos Chaves, tantas vezes presente em
celebrações e representações da academia, como encenador, ponto e
caracterizador.
[9]
Veja-se, v.g., Elísio Estanque, «Juventude, boémia e movimentos sociais:
culturas e lutas estudantis na universidade de Coimbra», in Política & Sociedade, vol. 9, nº 16,
abril de 2010, p. 266 e a referência à antiga fama do «Magrinho e os seus
acepipes em cubículos de lona».
[10]
Diamantino Calixto, op. cit., Porto,
Imprensa Moderna, L.da, 1950, pp. 117-119. Foi mantida a ortografia do
original. Este episódio foi republicado, com ligeiríssimas alterações, em 1958:
Diamantino da Mara Calisto, «Chateau Rose
– a minha república», in Rua Larga –
Revista dos Antigos Estudantes de Coimbra, nº 9, Coimbra, 20 de janeiro de
1958, pp. 256-258.
[11] Luso,
1914, livro 4º, registo 66, Conservatória do Registo Civil de Mealhada.
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