Friday, February 07, 2014

«Decadência» (1923), de Judith Teixeira – o início da coragem literária


LIMIARES DA ESCRITA 
Decadência (1923), de Judith Teixeira – o início da coragem literária

Uma literatura começa aqui, em Judith Teixeira. Nascida em Viseu, pode mesmo dizer-se que nem todos os filhos da cidade poderão deixar assim uma marca tão singular na cultura portuguesa. E, no entanto, se a visibilidade da poetisa é cada vez mais evidente, é tempo ainda de se perguntar se já ouviram falar de Judith Teixeira.
António Manuel Couto Viana, em 1977, di-la-á a única mulher no modernismo português, calando as vozes dissonantes e importantes de Régio e Pessoa. O tempo, esse grande escultor, faz agora cada vez mais vir à tona o caráter indomável de uma voz forte e diversa, que ousou, em tempo de impossibilidade, desafiar as conveniências da moral sexual ou coisa que o valha, se tal existe. Depois do de Couto Viana, outros atos hermenêuticos vieram coonestar a linha fulgurante da criação judithiana: estão aqui implicados os nomes de Cecília Barreira, Fátima Maldonado, Maria Leonor Nunes, Maria Jorge, Luís Manuel Gaspar, Vítor Silva Tavares, Cláudia Pazos Alonso, Eduardo Pitta, Martim de Gouveia e Sousa (perdoe-se a imodéstia…), o saudoso René Garay e os pósteros Alicia Perdomo, Ana Raquel Fernandes, Àfrica Riera Ventura, Suilei Monteiro Giavara, Fabio Mario e Andreia Boia, entre outros que a memória não lembra.
Como no poema de Dylan Thomas, cedo à mão «ao assinar este papel», tomo o primeiro livro de Judith Teixeira (Decadência, 1923) e leio, atualizando a grafia:

A ESTÁTUA

O teu corpo branco e esguio
prendeu todo o meu sentido…
Sonho que pela noite, altas horas,
aqueces o mármore frio
do alvo peito entumecido…

E quantas vezes pela escuridão,
a arder na febre dum delírio,
os olhos roxos como um lírio,
venho espreitar os gestos que eu sonhei…
…………………………………………..
- Sinto os rumores duma convulsão,
a confessar tudo que eu cismei!
………………………………………….
Ó Vénus sensual!
Pecado mortal
do meu pensamento!
Tens nos seios de bicos acerados,
num tormento,
a singular razão dos meus cuidados!

Fevereiro – Noite luarenta
                   922

Publicada a coletânea, calcule-se o escândalo! O livro acabou por ser indiciado e queimado em hasta pública, na polémica que ficou conhecida como caso da «literatura de Sodoma». Estávamos em 1923 e no ato de biblioclasmo conheceram também as cinzas Sodoma divinizada de Raul Leal e as Canções de António Botto. Iradas, nomeadamente contra Judith Teixeira, ergueram-se as vozes acusadoras de Pedro Teotónio Pereira e Marcelo Caetano.

Judith Teixeira nasceu em Viseu, junto à Porta dos Cavaleiros, no dia 25 de janeiro de 1880, vindo a falecer em Lisboa, sozinha, a 17 de maio de 1959. A escritora deixou-nos mais dois livros de poemas, uma conferência e um volume de novelas. Em 1959, um jornal de Viseu noticiava, pesaroso, a morte de António Botto. Sobre Judith Teixeira, nada mais do que silêncio. E é aí que a morte procria devindo poesia. Quem vem ler Judith Teixeira?    [Correio Beirão, nº 3]

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